domingo, 17 de janeiro de 2010
A dedução de Watson
Sherlock Holmes e o doutor Watson vão acampar. Após um bom jantar e uma garrafa de vinho, entram nos sacos de dormir e caem no sono.
Algumas horas depois, Holmes acorda e sacode o amigo.
_"Watson, olhe para o céu estrelado. O que você deduz disso?".
Depois de ponderar um pouco, Watson diz:
"Bem, astronomicamente, estimo que existam milhões de galáxias e potencialmente bilhões de planetas. Astrologicamente, posso dizer que Saturno está em Câncer. Teologicamente, eu creio que Deus e o universo são infinitos. Também dá para supor, pela posição das estrelas, que são cerca de 3h15 da madrugada… O que você me diz, Holmes?".
Sherlock responde: "Elementar, meu caro Watson. Roubaram a nossa barraca!"
(Arthur Conan Dolye)
Caçador abatido
Dois caçadores caminham na floresta quando um deles, subitamente, cai no chão com os olhos revirados. Não parece estar respirando.
O outro caçador pega o celular, liga para o serviço de emergência e diz: "Meu amigo morreu! O que eu faço?". :Com voz pausada, o atendente explica: "Mantenha a calma. A primeira coisa a fazer é ter certeza de que ele está morto".
Vem um silêncio. Logo depois, se ouve um tiro.
A voz do caçador volta à linha. Ele diz: "OK. E agora?"
Azarado
(Jô Soares)
Sujeito Destraído
(Jô Soares)
Autoria Própria
(Matheus de Almeida Galharte)
sábado, 16 de janeiro de 2010
“Ainda que nossa integridade valesse pouco,era tudo o que tínhamos”
“Não são as pessoas que devem temer seu governo,e sim, os governos que deviam temer suas pessoas”
“Os poderos podem matar uma,duas,ou ate três rosas,mas jamais deterão a primavera”
“Sei que vou morrer aqui, cada pedacinho de mim vai morrer, exceto um... A integridade. Ela é pequena e frágil e é a única coisa no mundo que ainda vale a pena se ter. Jamais devemos perdê-la ou entregá-la, nunca devemos deixar que a tirem de nós. Eu espero que seja quem for escape deste lugar, espero que o mundo mude, que a situação melhore. Mas o que eu mais quero que você entenda o que estou dizendo quando falo que apesar de não conhecer você, apesar de talvez nunca encontrar você, rir com você, chorar com você ou beijar você, eu desejo que seja feliz com o que você é.”
“ Se querem saber de quem são os culpados,basta olhar no espelho”
“Eu dedico esse concerto a senhora justiça que a muito tempo tirou férias desse país e em reconhecimento ao imposto que tomou seu lugar”
(Filme:V de vingança)
'' Não seu como o mundo me jungará .Para mim mesmo,me vejo como um garoto brincando na praia,divertindo-se aqui e ali por achar uma pedra mais polida ou uma concha mais bonita que as outras,enquanto o grande oceano da verdade permanece desconhecido na minha frente.'' (NEWTON)
"Nao é o trabalho de um artista dar ao publico aquilo que quer.Se o publico soubesse o que quer,eles nao seriam o publico,e sim o artista.É o trabalho de um artista dar ao publico o que ele necessita." (Alan more)
Trecho de "Dom Casmurro"
para fazê-las cedo. E melhor é naturalmente cedo que artificialmente
tarde.
(Machado de Assis)
Trecho de "Dom Casmurro"
e coração, um coração que desta vez ia sair, com certeza, pela boca
fora. Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta,
forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os
cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à
outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros
e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo.
As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor
(Machado de Assis)
Trecho de "Dom Casmurro"
amava-me! E as minhas pernas andavam, desandavam, estacavam, trêmulas
e crentes de abarcar o mundo. Esse primeiro palpitar da seiva,
essa revelação da consciência a si própria, nunca mais me esqueceu, nem
achei que lhe fosse comparável qualquer outra sensação da mesma espécie.
Naturalmente por ser minha. Naturalmente também por ser a
primeira.
Machado de Assis)
sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
Trecho de "Memórias póstumas de Brás Cubas"
(Machado de Assis)
Trecho de "Memórias póstumas de Brás Cubas"
(Machado de Assis)
Trecho de "Memórias póstumas de Brás Cubas"
(Machado de Assis)
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
Prosa Sobre a Vida
Seus amigos perguntam e perguntam, mas a resposta, onde está? A menina enchia seus olhos de palavras, mas da boca não saía alguma. Isso porque nem ela mesma sabia o motivo de tanta angústia e tristeza.
Motivos para chorar há bastante para um estudante Ainda mais para um que está prestes a prestar concursos. Tá, isso não é tão grave assim, mas é que é o seu futuro ali, não dá para fugir. E o pior é chegar em casa e discutir com seus pais. Isso é normal, acontece com todos, mas quando aquilo vira rotina é uma loucura! Sua cabeça fica tão tumultuada, mas tão vazia ao mesmo tempo.
As aulas chegam e você presta atenção, mas algo faz você lembrar-se de tudo, e já era. O cenário chamado "sala de aula" se desmorona e você já não está mais ali. O porquê nem o próprio sonhador sabe.
E quando se lembra dos amigos, lembra de coisas maravilhosas, com certeza. Mas quando se lembra da despedida, do último momento juntos É, infelizmente isso acontece com todos nós. Afinal, isso é a vida. Nós nunca sabemos o dia de amanhã. Não sabemos nem o que vamos ler na próxima linha!
E por falar em vida, é melhor pararmos com essa prosa pobre, e tomarmos conta dela, pois ela continua, e o tempo não para, e se nos esquecermos dela, a morte acaba vivendo também.
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Descoberta de planeta habitável
Que bom porque ainda não temos nenhum.
E se for encontrado um planeta habitável, daqui a 2010 anos teriamos um planeta com problemas ecologicos, cercado de interesses políticos, e quando acharem outro farão o mesmo.
Noite de almirante (Machado de Assis)
Deolindo Venta-Grande (era uma alcunha de bordo) saiu ao Arsenal de Marinha e enfiou pela Rua de Bragança. Batiam três horas da tarde. Era a fina flor dos marujos e, demais, levava um grande ar de felicidade nos olhos. A corveta dele voltou de uma longa viagem de instrução, e Deolindo veio à terra tão depressa alcançou licença. Os companheiros disseram-lhe, rindo:
— Ah! Venta-Grande! Que noite de almirante vai você passar! ceia, viola e os braços de Genoveva. Colozinho de Genoveva...
Deolindo sorriu. Era assim mesmo, uma noite de almirante, como eles dizem, uma dessas grandes noites de almirante que o esperava em terra. Começara a paixão três meses antes de sair a corveta. Chamava-se Genoveva, caboclinha de vinte anos, esperta, olho negro e atrevido. Encontraram-se em casa de terceiro e ficaram morrendo um pelo outro, a tal ponto que estiveram prestes a dar uma cabeçada, ele deixaria o serviço e ela o acompanharia para a vila mais recôndita do interior.
A velha Inácia, que morava com ela, dissuadiu-os disso; Deolindo não teve remédio senão seguir em viagem de instrução. Eram oito ou dez meses de ausência. Como fiança recíproca, entenderam dever fazer um juramento de fidelidade.
— Juro por Deus que está no céu. E você?
— Eu também.
— Diz direito.
— Juro por Deus que está no céu; a luz me falte na hora da morte.
Estava celebrado o contrato. Não havia descrer da sinceridade de ambos; ela chorava doidamente, ele mordia o beiço para dissimular. Afinal separaram-se, Genoveva foi ver sair a corveta e voltou para casa com um tal aperto no coração que parecia que “lhe ia dar uma coisa”. Não lhe deu nada, felizmente; os dias foram passando, as semanas, os meses, dez meses, ao cabo dos quais a corveta tornou e Deolindo com ela.
Lá vai ele agora, pela Rua de Bragança, Prainha e Saúde, até ao princípio da Gamboa, onde mora Genoveva. A casa é uma rotulazinha escura, portal rachado do sol, passando o Cemitério dos Ingleses; lá deve estar Genoveva, debruçada à janela, esperando por ele. Deolindo prepara uma palavra que lhe diga. Já formulou esta: “Jurei e cumpri”, mas procura outra melhor. Ao mesmo tempo lembra as mulheres que viu por esse mundo de Cristo, italianas, marselhesas ou turcas, muitas delas bonitas, ou que lhe pareciam tais. Concorda que nem todas seriam para os beiços dele, mas algumas eram, e nem por isso fez caso de nenhuma. Só pensava em Genoveva. A mesma casinha dela, tão pequenina, e a mobília de pé quebrado, tudo velho e pouco, isso mesmo lhe lembrava diante dos palácios de outras terras. Foi à custa de muita economia que comprou em Trieste um par de brincos, que leva agora no bolso com algumas bugigangas. E ela que lhe guardaria? Pode ser que um lenço marcado com o nome dele e uma âncora na ponta, porque ela sabia marcar muito bem. Nisto chegou à Gamboa, passou o cemitério e deu com a casa fechada. Bateu, falou-lhe uma voz conhecida, a da velha Inácia, que veio abrir-lhe a porta com grandes exclamações de prazer. Deolindo, impaciente, perguntou por Genoveva.
— Não me fale nessa maluca, arremeteu a velha. Estou bem satisfeita com o conselho que lhe dei. Olhe lá se fugisse. Estava agora como o lindo amor.
— Mas que foi? que foi?
A velha disse-lhe que descansasse, que não era nada, uma dessas coisas que aparecem na vida; não valia a pena zangar-se. Genoveva andava com a cabeça virada...
— Mas virada por quê?
— Está com um mascate, José Diogo. Conheceu José Diogo, mascate de fazendas? Está com ele. Não imagina a paixão que eles têm um pelo outro. Ela então anda maluca. Foi o motivo da nossa briga. José Diogo não me saía da porta; eram conversas e mais conversas, até que eu um dia disse que não queria a minha casa difamada. Ah! meu pai do céu! foi um dia de juízo. Genoveva investiu para mim com uns olhos deste tamanho, dizendo que nunca difamou ninguém e não precisava de esmolas. Que esmolas, Genoveva? O que digo é que não quero esses cochichos à porta, desde as ave-marias... Dois dias depois estava mudada e brigada comigo.
— Onde mora ela?
— Na Praia Formosa, antes de chegar à pedreira, uma rótula pintada de novo.
Deolindo não quis ouvir mais nada. A velha Inácia, um tanto arrependida, ainda lhe deu avisos de prudência, mas ele não os escutou e foi andando. Deixo de notar o que pensou em todo o caminho; não pensou nada. As idéias marinhavam-lhe no cérebro, como em hora de temporal, no meio de uma confusão de ventos e apitos. Entre elas rutilou a faca de bordo, ensangüentada e vingadora. Tinha passado a Gamboa, o Saco do Alferes, entrara na Praia Formosa. Não sabia o número da casa, mas era perto da pedreira, pintada de novo, e com auxílio da vizinhança poderia achá-la. Não contou com o acaso que pegou de Genoveva e fê-la sentar à janela, cosendo, no momento em que Deolindo ia passando. Ele conheceu-a e parou; ela, vendo o vulto de um homem, levantou os olhos e deu com o marujo.
— Que é isso? exclamou espantada. Quando chegou? Entre, seu Deolindo.
E, levantando-se, abriu a rótula e fê-lo entrar. Qualquer outro homem ficaria alvoroçado de esperanças, tão francas eram as maneiras da rapariga; podia ser que a velha se enganasse ou mentisse; podia ser mesmo que a cantiga do mascate estivesse acabada. Tudo isso lhe passou pela cabeça, sem a forma precisa de raciocínio ou da reflexão, mas em tumulto e rápido. Genoveva deixou a porta aberta; fê-lo sentar-se, pediu-lhe notícias da viagem e achou-o mais gordo; nenhuma comoção nem intimidade. Deolindo perdeu a última esperança. Em falta de faca, bastavam-lhe as mãos para estrangular Genoveva, que era um pedacinho de gente, e durante os primeiros minutos não pensou em outra coisa.
— Sei tudo, disse ele.
— Quem lhe contou?
Deolindo levantou os ombros.
— Fosse quem fosse, tornou ela, disseram-lhe que eu gostava muito de um moço?
— Disseram.
— Disseram a verdade.
Deolindo chegou a ter um ímpeto; ela fê-lo parar só com a ação dos olhos. Em seguida disse que, se lhe abrira a porta, é porque contava que era homem de juízo. Contou-lhe então tudo, as saudades que curtira, as propostas do mascate, as suas recusas, até que um dia, sem saber como, amanhecera gostando dele.
— Pode crer que pensei muito e muito em você. Sinhá Inácia que lhe diga se não chorei muito... Mas o coração mudou... Mudou... Conto-lhe tudo isto, como se estivesse diante do padre, concluiu sorrindo.
Não sorria de escárnio. A expressão das palavras é que era uma mescla de candura e cinismo, de insolência e simplicidade, que desisto de definir melhor. Creio até que insolência e cinismo são mal aplicados. Genoveva não se defendia de um erro ou de um perjúrio; não se defendia de nada; faltava-lhe o padrão moral das ações. O que dizia, em resumo, é que era melhor não ter mudado, dava-se bem com a afeição do Deolindo, a prova é que quis fugir com ele; mas, uma vez que o mascate venceu o marujo, a razão era do mascate, e cumpria declará-lo. Que vos parece? O pobre marujo citava o juramento de despedida, como uma obrigação eterna, diante da qual consentira em não fugir e embarcar: “Juro por Deus que está no céu; a luz me falte na hora da morte.” Se embarcou, foi porque ela lhe jurou isso. Com essas palavras é que andou, viajou, esperou e tornou; foram elas que lhe deram a força de viver. Juro por Deus que está no céu; a luz me falte na hora da morte...
— Pois, sim, Deolindo, era verdade. Quando jurei, era verdade. Tanto era verdade que eu queria fugir com você para o sertão. Só Deus sabe se era verdade! Mas vieram outras coisas... Veio este moço e eu comecei a gostar dele...
— Mas a gente jura é para isso mesmo; é para não gostar de mais ninguém ...
— Deixa disso, Deolindo. Então você só se lembrou de mim? Deixa de partes...
— A que horas volta José Diogo?
— Não volta hoje.
— Não?
— Não volta; está lá para os lados de Guaratiba com a caixa; deve voltar sexta-feira ou sábado... E por que é que você quer saber? Que mal lhe fez ele?
Pode ser que qualquer outra mulher tivesse igual palavra; poucas lhe dariam uma expressão tão cândida, não de propósito, mas involuntariamente. Vede que estamos aqui muito próximos da natureza. Que mal lhe fez ele? Que mal lhe fez esta pedra que caiu de cima? Qualquer mestre de física lhe explicaria a queda das pedras. Deolindo declarou, com um gesto de desespero, que queria matá-lo. Genoveva olhou para ele com desprezo, sorriu de leve e deu um muxoxo; e, como ele lhe falasse de ingratidão e perjúrio, não pôde disfarçar o pasmo. Que perjúrio? Que ingratidão? Já lhe tinha dito e repetia que quando jurou era verdade. Nossa Senhora, que ali estava, em cima da cômoda, sabia se era verdade ou não. Era assim que lhe pagava o que padeceu? E ele que tanto enchia a boca de fidelidade, tinha-se lembrado dela por onde andou?
A resposta dele foi meter a mão no bolso e tirar o pacote que lhe trazia. Ela abriu-o, aventou as bugigangas, uma por uma, e por fim deu com os brincos. Não eram nem poderiam ser ricos; eram mesmo de mau gosto, mas faziam uma vista de todos os diabos. Genoveva pegou deles, contente, deslumbrada, mirou-os por um lado e outro, perto e longe dos olhos, e afinal enfiou-os nas orelhas; depois foi ao espelho de pataca, suspenso na parede, entre a janela e a rótula, para ver o efeito que lhe faziam. Recuou, aproximou-se, voltou a cabeça da direita para a esquerda e da esquerda para a direita.
— Sim, senhor, muito bonito, disse ela, fazendo uma grande mesura de agradecimento. Onde é que comprou?
Creio que ele não respondeu nada, nem teria tempo para isso, porque ela disparou mais duas ou três perguntas, uma atrás da outra, tão confusa estava de receber um mimo a troco de um esquecimento. Confusão de cinco ou quatro minutos; pode ser que dois. Não tardou que tirasse os brincos, e os contemplasse e pusesse na caixinha em cima da mesa redonda que estava no meio da sala. Ele pela sua parte começou a crer que, assim como a perdeu, estando ausente, assim o outro, ausente, podia também perdê-la; e, provavelmente, ela não lhe jurara nada.
— Brincando, brincando, é noite, disse Genoveva.
Com efeito, a noite ia caindo rapidamente. Já não podiam ver o Hospital dos Lázaros e mal distinguiam a ilha dos Melões; as mesmas lanchas e canoas, postas em seco, defronte da casa, confundiam-se com a terra e o lodo da praia. Genoveva acendeu uma vela. Depois foi sentar-se na soleira da porta e pediu-lhe que contasse alguma coisa das terras por onde andara. Deolindo recusou a princípio; disse que se ia embora, levantou-se e deu alguns passos na sala. Mas o demônio da esperança mordia e babujava o coração do pobre-diabo, e ele voltou a sentar-se, para dizer duas ou três anedotas de bordo. Genoveva escutava com atenção. Interrompidos por uma mulher da vizinhança, que ali veio, Genoveva fê-la sentar-se também para ouvir “as bonitas histórias que o sr. Deolindo estava contando”. Não houve outra apresentação. A grande dama que prolonga a vigília para concluir a leitura de um livro ou de um capítulo, não vive mais intimamente a vida dos personagens do que a antiga amante do marujo vivia as cenas que ele ia contando, tão livremente interessada e presa, como se entre ambos não houvesse mais que uma narração de episódios. Que importa à grande dama o autor do livro? Que importava a esta rapariga o contador dos episódios?
A esperança, entretanto, começava a desampará-lo e ele levantou-se definitivamente para sair. Genoveva não quis deixá-lo sair antes que a amiga visse os brincos, e foi mostrar-lhos com grandes encarecimentos. A outra ficou encantada, elogiou-os muito, perguntou se os comprara em França e pediu a Genoveva que os pusesse.
— Realmente, são muito bonitos.
Quero crer que o próprio marujo concordou com essa opinião. Gostou de os ver, achou que pareciam feitos para ela e, durante alguns segundos, saboreou o prazer exclusivo e superfino de haver dado um bom presente; mas foram só alguns segundos.
Como ele se despedisse, Genoveva acompanhou-o até à porta para lhe agradecer ainda uma vez o mimo, e provavelmente dizer-lhe algumas coisas meigas e inúteis. A amiga, que deixara ficar na sala, apenas lhe ouviu esta palavra: “Deixa disso, Deolindo”; e esta outra do marinheiro: “Você verá”. Não pôde ouvir o resto, que não passou de um sussurro.
Deolindo seguiu, praia fora, cabisbaixo e lento, não já o rapaz impetuoso da tarde, mas com um ar velho e triste, ou, para usar outra metáfora de marujo, como um homem “que vai do meio caminho para terra”. Genoveva entrou logo depois, alegre e barulhenta. Contou à outra a anedota dos seus amores marítimos, gabou muito o gênio do Deolindo e os seus bonitos modos; a amiga declarou achá-lo grandemente simpático.
— Muito bom rapaz, insistiu Genoveva. Sabe o que ele me disse agora?
— Que foi?
— Que vai matar-se.
— Jesus!
— Qual o quê! Não se mata, não. Deolindo é assim mesmo; diz as coisas, mas não faz. Você verá que não se mata. Coitado, são ciúmes. Mas os brincos são muito engraçados.
— Eu aqui ainda não vi destes.
— Nem eu, concordou Genoveva, examinando-os à luz. Depois guardou-os e convidou a outra a coser. — Vamos coser um bocadinho, quero acabar o meu corpinho azul...
A verdade é que o marinheiro não se matou. No dia seguinte, alguns dos companheiros bateram-lhe no ombro, cumprimentando-o pela noite de almirante, e pediram-lhe notícias de Genoveva, se estava mais bonita, se chorara muito na ausência, etc. Ele respondia a tudo com um sorriso satisfeito e discreto, um sorriso de pessoa que viveu uma grande noite. Parece que teve vergonha da realidade e preferiu mentir.
Cortar o tempo
Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente
(Carlos Drummond de Andrade)
Definitivo
Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.
Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos
o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções
irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado
do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter
tido junto e não tivemos,por todos os shows e livros e silêncios que
gostaríamos de ter compartilhado,
e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.
Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas
as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um
amigo, para nadar, para namorar.
Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os
momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas
angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.
Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo
confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam,
todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.
Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma
pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez
companhia por um tempo razoável,um tempo feliz.
Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um
verso:
Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida
está no amor que não damos, nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do
sofrimento,perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional...
(Carlos Drummond de Andrade)
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
O torcedor (Carlos Drummond de Andrade)
No jogo de decisão do campeonato, Eváglio torceu pelo Atlético Mineiro, não porque fosse atleticano ou mineiro, mas porque receava o carnaval nas ruas se o Flamengo vencesse. Visitava um amigo em bairro distante, nenhum dos dois tem carro, e ele previa que a volta seria problema.
O Flamengo triunfou, e Eváglio deixou de ser atleticano para detestar todos os clubes de futebol, que perturbam a vida urbana com suas vitórias. Saindo em busca de táxi inexistente, acabou se metendo num ônibus em que não cabia mais ninguém, e havia duas bandeiras rubro-negras para cada passageiro. E não eram bandeiras pequenas nem torcedores exaustos: estes pareciam terem guardado a capacidade de grito para depois da vitória.
Eváglio sentiu-se dentro do Maracanã, até mesmo dentro da bola chutada por 44 pés. A bola era ele, embora ninguém reparasse naquela esfera humana que ansiava por tornar a ser gente a caminho de casa.
Lembrando-se de que torcera pelo vencido, teve medo, para não dizer terror. Se lessem em seu íntimo o segredo, estava perdido. Mas todos cantavam, sambavam com alegria tão pura que ele próprio começou a sentir um pouco de flamengo dentro de si. Era o canto? Eram braços e pernas falando além da
boca? A emanação de entusiasmo o contagiava e transformava. Marcou com a cabeça o acompanhamento da música. Abriu os lábios, simulando cantar. Cantou. Ao dar fé de si, disputava à morena frenética a posse de uma
bandeira. Queria enrolar-se no pano para exteriorizar o ser partidário que pulava em suas entranhas. A moça, em vez de ceder o troféu, abraçou-se com Eváglio e beijou-o na boca. Estava batizado, crismado e ungido: uma vez Flamengo, sempre Flamengo.
O pessoal desceu na Gávea, empurrando Eváglio para descer também e continuar a festa, mas Eváglio mora em Ipanema, e já com o pé no estribo se lembrou. Loucura continuar flamengo a noite inteira à base de chope, caipirinha, batucada e o mais. Segurou firme na porta, gritou: "Eu volto, gente! Vou só trocar de roupa" e, não se sabe como, chegou intacto ao lar, já sem compromisso clubista.
(ANDRADE, Carlos Drummond. De conto em conto, v. 2. São Paulo: Ática, 2001.)
Trecho de "Memórias póstumas de Brás Cubas"
domingo, 10 de janeiro de 2010
Tipicamente brasileiro
23 de janeiro de 1995, Rio de Janeiro – RJ Brasil
Bom, nasce mais um filho dessa pátria! Do país do samba, do futebol, e o país da miscigenação cultural. Um País de muitas dificuldades é verdade, mas um país alegre. Nasce um filho do Rio de Janeiro, com muito orgulho. Rio do Cristo Redentor, do Pão-de-Áçucar, Lagoa Rio de Freitas e outras maravilhas. Se pudesse nascer de novo escolheria nascer no mesmo lugar
É claro que não escrevi nessa data até mesmo porque foi o dia que eu nasci, mas se eu pudesse escrever, escreveria isso.
Nasci no bairro de Lins de Vasconcelos na Zona Norte perto de Jacarepaguá e Madureira. Junta africano, espanhol, português, índio e etc. Resultou em mim, fruto de miscigenação como todos os brasileiros desse pais feito de uma grande mistura étnica. Sou muito eclético mas dou preferência as minhas raízes. Gosto de Rock, de Blues, mais nada como um bom Samba ou uma boa Música Popular Brasileira. Shakespeare é um ótimo escritor, mas nada como ler um livro de Machado de Assis. Frank Sinatra é uma das lendas da música, mas nada como ouvir Tom Jobim. Enfim, sou típico brasileiro... não sei se tão típico, mas brasileiro sim.